August 04, 2007

Projecto Sunlight CAPÍTULO I

Chamo-me Joel, sou cidadão do Universo, membro dos Escrivães Celestiais. Neste momento o meu olhar está voltado para a esquina das ruas Ridge e Génese na cidade de Rochester, Estado de Nova Iorque. Enquanto espero, irei contar-vos a razão do quão importante para mim é este local particular de um planeta minúsculo e distante. Registar as actividades do Planeta Terra constitui a solene actividade dos Escrivães Celestiais. Temos registrado guerras e tratados de paz, enchentes, fomes, revoluções, eras de prosperidade, e atrocidades que vão para além da nossa imaginação santificada. A igreja, obviamente, tem sido o ponto focal das nossas observações, pois o Príncipe investiu nela muito mais do que ela própria jamais poderá compreender.


Um homem idoso acaba de virar a esquina. Um homem mal vestido, e sujo que há muito tempo atrás magoou o frágil e tremulante dom da vida em mãos encardidas e descuidadas. Mas ainda não chegou a hora. Que alívio!

Nós, os Escrivães Celestiais, ficamos admirados com a falta de visão dos humanos. Eles comportam-se como se a Terra fosse o centro do Universo e não apenas uma partícula de poeira cósmica. A humanidade tem uma concepção muito limitada da sua condição, embora o Rei lhes tenha tornado o assunto bem claro no livro a que eles chamam de Bíblia. Muitos não a levam a sério, alguns absolutamente não crêem nela, e mesmo aqueles que professam seguir o Príncipe parecem estar muitas vezes mais entusiasmados com o carro novo ou com uma reunião social da igreja do que com o Seu retorno. É verdade que Ele tem alguns realmente dedicados, os quais Lhe dão muita alegria. Ás vezes Ele fica verdadeiramente radiante a observar um aqui, outro lá que insiste em pertencer-Lhe.
Confesso que algumas vezes costumava sentir uma santa impaciência com todos eles, por causa do Príncipe. A ingratidão dos humanos parecia imperdoável. Uma raça tão arrogante com tão pouco que lhe permita sê-lo. Mas, aos poucos, com o passar dos séculos, consegui amá-los, especialmente desde que Ele foi viver com eles. Ao observá-Lo na multidão, comecei a vê-los através dos Seus olhos. Quando eu via o Seu cansaço, entendia o deles. Quando o Rebelde O perseguia implacavelmente, tive uma concepção do quão desesperadora é a condição deles. Quando Ele chorava, podia sentir as lágrimas deles. Assim, tem sido com uma constante compaixão crescente, que tenho registado as actividades dos terrestres ao longo destes dois mil anos passados.

Aparece um casal, um casal simpático, na primavera da vida terrestre. Ela segura o braço dele, e seguem o caminho a rir. Mas, o que é que eu faço com uma casal, se só quero uma pessoa? Felizmente ainda restam alguns minutos.

Então vamos continuar com a minha explicação. Ultimamente fiquei cansado de observar as massas, de transcrever a sua estranha lealdade a um líder corrupto após outro. O meu coração parte-se por causa dos milhões que vivem na miséria e treme pelos ricos indiferentes. Já senti um tremendo desejo de me concentrar em indivíduos, embora esta seja a incumbência directa dos Anjos Relatores, um segmento separado dos Escrivães Celestiais.
Fiquei tão envolvido com a ideia que pedi permissão ao próprio Rei para me concentrar somente num terrestre. Esclareci que não desejava registar todos os pensamentos e motivos dele com perfeita precisão requerida para o julgamento, mas simplesmente compilar uma observação mais geral da reacção de um humano ao ambiente de pecado. Ele deu-me permissão e agora estou imensamente entusiasmado, como não sentia há séculos, apesar de não conseguir determinar bem o porquê.
Recebi muitas sugestões dos meus companheiros escrivães, que graciosamente participaram do meu entusiasmo. Alguns instaram comigo para que escolhesse um bebe recem-nascido, outros recomendaram um jovem de inteligência superior. Eu mesmo considerei a hipótese de procurar uma criança com forte inclinação espiritual, mas por fim decidi que não iria colocar nenhuma destas limitações à minha experiência. Iria escolher alguém ao acaso.
Na realidade, decidi ontem (vocês irão notar que já estou a usar a terminologia de tempo da Terra) que me irei concentrar na primeira pessoa que virar a esquina das ruas Ridge e Génese na cidade de Rochester após as 18h, hoje. Este momento aproxima-se cada vez mais, e eu estou cheio de expectativa, porque irei concentrar-me neste cidadão particular da Terra até ao fim da sua vida.
Esta rua residencial não está movimentada neste instante, uma vez que a maioria da classe trabalhadora já foi para casa. O relógio do Banco Midtown marca 17h56. Estou com os olhos fixos na esquina.
Agora. Precisamente agora. A próxima pessoa. São 18h02. Logo estará escuro, e poucos são os que se arriscam a sair, pois as ruas das cidades do Planeta Terra nao sao seguras à noite.
Mas espera. Uma figura miúda vira a esquina, com o seu casaco contado açoitado pelo vento. Uma jovem. Ou talvez não seja tão jovem. Na casa dos trinta, eu diria. Engraçado, nunca pensei estudar uma mulher (...) Num relance descobri como vou chamá-lo: Sunlight. Claro´! É perfeito!
Vejo-a descer apressadamente a rua, subir as escadas de um bloco de apartamentos e apanhar um elevador até ao 7º andar. Reparo que ela parece estar nervosa no elevador, como se não pudesse tolerar a demora. Entra finalmente num apartamento com a placa que diz: Meg Adams; cumprimenta duas meninas, uma de cerca de 9 ou 10 anos, outra com cerca de seis. Por um momento, enquanto que as abraça, a face de Sunlight suaviza-se...mas logo atira o casaco para a cadeira e todo o seu ser volta uma vez mais ao ritmo dos terrestres que vivem em cidades.
A filha mais velha - Sunlight chama-a Jennifer - já está a fritar alguns hamburgers numa panela eléctrica, enquanto a mais pequena põe a mesa. Sunlight prepara uma salada mista, e finalmente se assentam para comer. Eu estou a bisbilhotar descaradamente porque estou ansioso para saber tudo do meu novo projecto, e o mais rápido possível!
Sunlight: Fico preocupada quando usas a panela elétrica, Jen. Precisas ser super cuidadosa. Prometes?
Jenny: Não me vou queimar. Não te esqueças que mais duas semanas e faço dez anos.
Sunlight: Promete, Jen!
Jenny (contrariada): ok, ok. Prometo que vou ter cuidado. Podias era dizer à Carol para não comer gomas antes do jantar. Estás a ver? Agora só belisca a comida.
Sunlight: A tua irmã tem razão querida. Nada de gomas antes do jantar.
Carol: oh mãe, diz-lhe para ela não me andar sempre a chatear. Ela não é minha chefe só por ser 3 anos mais velha!
Jenny: Ah, sim, eu sou sim, quando a mãe não está por perto.
Sunlight (impaciente): Vamos parar com isto, as duas. Depois de aturar os clientes o dia todo na loja não consigo aguentar as vossas discussões quando chego a casa. Estou com os nervos em franja, calem-se um bocado!

(As duas meninas mantêm-se caladas enquanto comem, e o som dos talheres e dos pratos conspira contra o silêncio. Sunligth deixa a comida a metade e vai para o sofá, com o comando na mão, para ver as noticias na televisão.)

Carol: O pai ligou para dizer que não vai passar cá em casa para nos ver no sábado. Vai estar fora da cidade...
Sunligth: Nem me fales do teu pai. Há semanas que ele não vem cá a casa. Porque ele ainda se incomoda a telefonar com essas desculpas? Ei, boneca, não fiques assim. Ele não vale uma única lagrimazinha.

(Elas arrumam a cozinha e ficam a ver televisão antes de Sunligth as mandar para a cama. Ele senta-se então, então, na sala pouco iluminada, com o fumo de um cigarro circundando a sua pequena cabeça. A sua face na penumbra +e bonita, embora envelhecida e triste.)

Sinto raiva ao olhar para ela. Raiva do Rebelde, e do que os terrestres têm sofrido nas mãos dele. Adorava poder escrever através do céu azul a solução simples para a triste condição deles...!
Mas eu sei que mesmo que fizesse um boletim celestial (as pintas dos "i"s são estrelas) os homens mal levantariam os olhos para ler, e nem creriam. Já viram a Guerra das Estrelas, Contactos Imediatos do terceiro grau e o Abismo Negro...portanto, o que mais é novidade?

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o que é mais novidade...boa pergunta a do anjo. Uma vez, a falar com alguém especial no carro, falámos no que é ser "eternamente insatisfeitos". Essa busca de procurar mais novidades pode ser salutar...acredito que seja. Acredito que nos faça engrenar e andar para a frente. Mas a procura por algo que nos preenche dá-nos um avanço maior, mais definido, mais estável e assertivo. Procurar o significado e o nosso caminho dá-nos bases sólidas para que cada momento destes anos que aqui vivemos e que não se repetem, possam ser vividos intensamente, deixando sapiência para a continuação dos dias.
Estou a gostar de ler e de vos partilhar a leitura. Vou tentar ser mais rápida :)
Até breve!

1 comment:

Anonymous said...

É algo que nos faz pensar. Apesar de sabermos que estamos envolvidos num grande conflito, quão fácil é esquecer! Se pararmos pra pensar vemos que a nossa existência quase nem existe, pois como um vapor que se forma logo de desfaz. Por isso ha que aproveitar cada momento sabiamente e de forma feliz para que no final possamos viver felizes por toda a eternidade. ;o)*